Minha mãe quicava de empolgação na poltrona, ansiosa para saber tudo sobre meu primeiro dia. Eu quase ri da expressão dela, como se estivesse olhando para as páginas de um livro novo do qual não podia esperar para ler. Eu a ocupei com a história do garoto, sabendo que era o que ela realmente queria saber. Como Melanie, ela ficou desapontada quando viu que eu não sabia o nome, identidade e a senha do banco dele.
Como eu e mamãe estávamos cansadas de cozinhar, pedimos uma pizza de calabresa e comemos assistindo Criatura Perfeita, um filme da Nova Zelândia sobre vampiros. Tentei com todas as minhas forças não ver ironia naquilo. Apesar de que o filme era até realista. Nenhum vampiro virou torrada na luz do sol e não houve nenhum "vampiro dentes de sabre", com os caninos enormes. Depois do filme, subi as escadas até meu quarto. Depois de terminar uma pesquisa de biologia, escovar os dentes, tirar a maquiagem e trocar de roupa, mergulhei na cama e caí em sono profundo.
A porta da estação de patinação se abriu com dificuldade, pois estava avermelhada devido á ferrugem. Liguei todos os interruptores das poucas lâmpadas que estavam funcionando. Tirei os tênis e comecei a andar no gelo de meias mesmo, rindo quando escorregava. De repente, saído das sombras, o garoto da escola me olhava, com seus profundos olhos agora cinzentos. Pensei que ficaria assustada, mas minha boca se curvou num sorriso.
Começamos a empurrar um ao outro e rir cada vez que um de nós escorregava e quase caía. Do nada, a expressão dele mudou. Os olhos agora estão cheios de tristeza e... dor. Ele beijou a minha testa e escorregou até a parede mais distante de mim. O estranho, é que em nenhum momento desse percurso ele perdeu o equilíbrio. E fora muito rápido.
Antes que eu pudesse pensar um pouco, vultos passaram a minha volta. De repente, haviam 6 pessoas ao meu redor. Pareciam ter em torno de uns 50 anos. Um deles, que parecia o mais velho, abriu um enorme sorriso e acentiu para os outros. Os vultos recomeçaram a passar, e toda vez que um deles me tocava, faziam enormes cortes em minha pele. Meu olhar voou para o garoto. Ele sentara no gelo, encostado na parede, abraçando os joelhos. Ele me olhou, os olhos cheios de dor, tristeza e culpa.
Meus olhos se abriram, e eu fitei o teto branco de meu quarto. Sentei-me na cama e olhei pela janela. A noite estava tranquila. A lua imitava o sorriso do gato risonho. Não havia barulho, a não ser alguns latidos de cachorro e o leve sussurrar do vento. Peguei o celular --- que nunca fica mais de seis centímetros longe do fone de ouvido --- e coloquei qualquer música que pudesse apagar todos os meus pensamentos.