Olhei para a menininha encolhida em um banco de madeira debaixo da chuva. Bem, não exatamente. Eu estava olhando um desenho. Mas não sabia nem lembrava como o tinha feito. A única coisa que lembrava de ter feito era que eu tinha aberto o caderno de desenho e começado a rabiscar inconscientemente. Ainda sim ali estava o desenho.
O sinal tocou em alto e bom som, me lembrando um pouco demais o sinal que avisava que a escuridão estava a caminho em Silent Hill. Talvez o diretor quisesse que a gente estivesse num inferno, de certa forma. Só que em vez de monstros, haviam as patricinhas e as vadias, que eram muito mais assustadoras, com seus brilhos labiais e cabelos esvoaçantes. Esta é minha definição de inferno. Os monstros de Silent Hill seriam meus melhores amigos perto delas.
Enfiei o caderno de volta na bolsa de couro preto bem na hora em que o Sr. Murdock entrou marchando pela sala. Ele jogou a pilha de cadernos na mesa com um barulho alto, fazendo a turma praticamente adormecida dar um pulo. Depois começou a andar pela sala, jogando um maço de papéis em cima da mesa de cada aluno e vendo qual folhinha ou iphone ele podia confiscar. Sorte a minha ter guardado o caderno.
Depois resolveu mudar os lugares. O problema de mudar os lugares, é que sempre me colocam mais perto do sol. E sempre acabo indo para a enfermaria com dor de cabeça. Mas o Sr. Murdock deve ter aprendido com isso, por que não me trocou de lugar. E, graças aos céus, tirou Ben Antonski da carteira na fileira ao meu lado.
Tirei o caderno de vinte matérias da bolsa e comecei a vasculhá-la atrás de uma caneta, quando alguém me cutucou. Ergui os olhos. Um garoto meio loiro, de olhos azuis e pele um pouco bronzeada estava me olhando. Quase dei um pulo. Todos os humanos daqui me evitam como se eu fosse desmembrá-los (e, dependendo das circunstâncias, ia mesmo). Com certeza este não estava em juízo perfeito.
--- Ele é sempre ranzinza? --- sussurrou, numa clara tentativa de ser engraçadinho. Mas eu sabia muito bem o que acontecia com engraçadinhos na aula do Sr. Murdock. Sibilei, indicando que ficasse quieto. Ele franziu o cenho, mas graças a Deus não disse mais nada. Finalmente consegui capturar a caneta dentro do triângulo das bermudas que era minha bolsa, e rapidamente comecei a escrever o texto que já enchia metade do quadro negro.
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Peguei o caderno e o livro e os joguei na bolsa. Procurei a caneta, mas não estava em cima da mesa, ou na cadeira e muito menos no meu bolso. Olhei no chão, e também não estava em lugar nenhum. Ótimo. Primeiro dia de aula e perco minha caneta. Amanhã vou perder o que? A borracha ou o apontador? reclamei em minha mente. Alguém me cutucou, e quando me virei a caneta estava a alguns centímetros do meu rosto.
--- Procurando isso? --- levantei os olhos, e ali estava o garoto, com um sorrisinho irônico que não entendi. Peguei a caneta, joguei dentro da bolsa e agradeci. --- Espera, você é a Alex, não é? --- ele disse enquanto corria para me alcançar na porta da sala.
--- Sim. Ah, e não importa o que ela tenha dito. É mentira. --- eu sabia que Brigitte já havia atualizado todos os alunos novos a manter distância da Alex, segundo ela a "garota morta". Comecei a andar mais rápido, mas ele me seguiu.
--- Do que está falando? --- ele disse, se colocando na minha frente para me fazer parar.
--- Brigitte Wells ainda não veio dar o discurso "fique longe da Alex"? --- essa é nova. Ela nunca deixa de contar a todos.
--- Uma garota veio sim falar algo... Mas não ouvi. Fones de ouvido altos. --- ele continuava com aquele sorrisinho irônico. Como se eu fosse a piada mais divertida do mundo.
--- Bem, espere mais cinco segundos. --- como se esperasse a deixa, Brigitte passou por nós no corredor, com seu cabelo loiro duro de permanente e o famoso olhar de cobra dizendo um sutil "eu avisei". Aproveitei para sair de perto. Não queria quebrar a cara de Brigitte logo no primeiro dia.
Guardei a bolsa dentro do armário e me dirigi ao refeitório. Se existisse uma escolha para uma escola para filmar Silent Hill, sem dúvida seria esta. Pelo menos metade das lâmpadas estava quebrada, e a tinta da parede estava descascando em vários lugares. O governador diz que vai arrumar a escola, mas todos sabem como são políticos. Aposto como ele só ia pintar, trocar as lâmpadas e dizer que havia construído uma escola nova.
Depois de pegar uma maçã, fui até a mesa onde eu e meus amigos Mel, Samy e Michael nos sentamos. Como sempre, Melanie queria saber tudo sobre o "novato bonitão" que tinha falado comigo. E, como em todas as raras vezes que algum garoto falara comigo, ela ficou decepcionada com o fato de eu não ter pego MSN, Facebook, Twitter... Mel é assim: logo que conhece um garoto, cinco segundos depois já sabe absolutamente tudo da vida do cara. Ela não sabia, mas Michael sempre teve uma quedinha por ela. E naquele segundo, enquanto ela falava, ele mal conseguia conter o ciúme.
Do outro lado do refeitório, o garoto acenou para mim, fazendo Melanie começar um discurso interminável sobre como ele estava claramente afim de mim e blá blá blá... Assim que tive certeza de que ela não estava prestando atenção em mim --- uns cinco segundos depois de ela começar a falar --- coloquei os fones de ouvido. Olhei em volta, sem querer encontrando o olhar do garoto. Estava com uma sobrancelha erguida e, talvez pela luz, talvez por que eu estivesse realmente louca, os olhos dele pareciam ter ficado cinzentos. Sacudi a cabeça. Com certeza estava louca.
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